terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Aqui dentro tanta coisa mudou pela inércia das coisas e pelo agito da chuva de sempre dentro de mim! Essa morte constante de tudo, de mim, é o que mais dói. Morro todo dia, chovo e o sol continua a me aquecer: tudo me aquece a tristeza. Como me dói o meu sorriso na fotografia, faca amolada que me escancara à carne um milhão de histórias. Ludovico Einaudi e um pôr do sol trazem à superfície um infinito que eu não entendo. Meu coração bate disparado em cada nota, um arrepio. Vai, mergulha e se afunda em você mesma. Pega o espelho da sua alma, invertida e decifra! Ah, se um dia eu pudesse decifrar seus olhos... Decifraria cada marca da sua alma e cada dia que te fez ser quem é hoje. Mas não posso, o encanto está justamente em não nos conhecermos,em fazer dos seus pensamentos morada permanente, que ninguém decifra, que ninguém vigia, mas que seus olhos escorrem, transparentes e salgados, em forma líquida, uma mistura de sentimentos. Se assemelha à tinta jogada numa palheta branca, em mim. Me arranca esse peso, pois não posso mais suportá-lo! As coisas existem por si próprias, li isso no olho da barata ontem. Me disse que a existência precede qualquer outra coisa, mas eu queria ser como ela e apenas ser. Como numa pintura expressionista, as nuvens vão mudando de forma e vão dando forma ao nada. Tentei desvestir-me do ego, só a lua-cheia de testemunha. Cada estrela, uma história, um passado que me chega aos olhos apenas cinquenta anos depois. Você entende que nada é real? Quase posso tocar o instante seguinte, mas a roda vai levando tudo embora. O vento dança com as folhas das árvores, uma valsa descompassada, vezes lenta, vezes rápida e sorridente: nessas traz folhas ao ar. Eu danço com a minha sombra e com a minha morte, todos os dias.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Ensaio sobre o Medo

Estamos em busca de uma dose violenta de qualquer coisa, mas quando o vento forte chega, insistimos em nomeá-lo de desordem. Bem-aventurados os que são ventania num mundo de máquinas de fazer dinheiro, que morrem sem saber o que é sentir o vento dançar com as árvores, despentear seu cabelo, brincar de voar com as folhas secas.
A ditadura é a da constância. É da pedra, que não se escreve tumulto, Drummond.
Amar uma só vez e pensar tudo uma só vez. Somos assim rebanhos , abandonados pelo pastor à nossa própria sorte, nesse pasto vasto que é o mundo.
Nosso governante? O medo. Ditador e supressor da vida. Por ele muitos amores foram mortos e religiões criadas. Por ele toda moral, toda reputação.
Tudo o que existe, mas não se faz vivo, já foi tocado por ele numa espécie de batismo bizarro à essa existência.
Morre-se por medo e vive-se por medo de morrer.

É por medo de que nada mude que eu não me permito ficar muda.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Tem alguma coisa dentro de mim a pesar mais que o meu corpo e me pergunto se quem mergulha no meu olhar pode vê-la. Carrego-a como quem carrega o nascituro sabendo que um dia ele virá a ver a loucura dos homens e a escuridão do mundo. O peso me corrói ainda mais quando vejo o pôr do sol depois de um dia difícil, daqueles em que sou engolida pela labuta das horas. Ando devagar a arrastá-lo sob o asfalto juntamente com a minha sombra. Sinto-o a percorrer cada membro meu através do meu sangue e vezes vai alojar-se no meu coração: nesses dias não consigo manter o equilíbrio e pendo para o lado esquerdo. Vejo as nuvens cheias do cinza da minha tristeza e então sei que vai chover e vou sentir o gosto salgado das lágrimas. A chuva cai lavando todos os prédios da cidade, muros pichados e o asfalto sujo por onde tanto pisei. As pessoas se escondem em suas casas, com medo da transformação que nos acomete toda vez que permitimos nos deixar lavar pela água que cai do céu.
Esse peso que arrasto como à minha própria sombra, tem a melodia do silêncio, mas a recordação da nota desafinada. Da casa vazia. Dos móveis angustiados. Nada mais cabe aqui. Está tudo tão apertado. Tem um pouco do peso nos seus olhos: não resido mais em mim.
Tem alguma coisa dentro de mim a pesar mais que o meu corpo, que me massacra o ser. Tento entender como é possível ter um limite físico toda essa tonelada que tem massacrado tudo o que existe e descobre-se sozinho no mundo: a existência é o peso intrínseco a tudo o que se faz vivo, mas morre todos os dias, um pouco mais.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Frida e suas cores misturadas com a minha dor formam um misto de mar e lua. O azul do mar me engole em Santa Catarina. Em São Paulo, o cinza do céu reflete uma lágrima enquanto o cinza da fumaça, disputa lugar com o sol, que cansado, se põe. Disputo meu lugar entre a vida e a morte, onde a lacuna se chama solidão. Costuro no meu peito o infinito do mar, o da saudade de um riso já enferrujado pelo tempo.

Agora é tempo de folhas secas cobrirem o chão...

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

maquinaria

A engrenagem do mundo não para, para ver o azul, nem sabe da economia do ócio. Ela nos quer dentro das coisas materiais e profetizadas, enquanto eu sigo querendo a heresia do viver. Carrego a existência por cima do ombro esquerdo e às vezes, ela tem o gosto da lágrima salgada de uma criança. Da felicidade espero apenas a brevidade das folhas que só permanecem para caírem na próxima estação: o pôr-do-sol durou apenas sete minutos. O sustenido do instante seguinte na nota do tempo foi à engrenagem da existência, não me permitindo deixar de sentir estar no mundo, navegar no desconhecido de mim mesma e afundar de uma só vez, no meu próprio núcleo.
Volto ao passado, a cada vento que sinto a me acariciar, o reconstruo na minha mente juntando todas as suas cinzas, que recolho do cinzeiro velho do quarto. Cada vez que penso em tudo o que ali passamos, a imagem que se monta é diferente. Depois de um tempo passei a lembrar apenas do seu cheiro: seu rosto já havia se diluído na minha memória, mas a essência ficara. Agora que o cheiro escapou pela porta das minhas emoções, a única coisa que vejo quando tento me lembrar de você é um grande buraco branco, que descubro ser uma fotografia minha, refletida no espelho do quarto. Foi assim que entendi, finalmente: você é o desconhecido de mim.



segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Perdi minha casca no último vendaval que assolou minha alma e, sem proteção, jorrei minha essência ao vento, como se fosse semente, mas nada dali brotou. Não quero que me regue ou que me leve a um canteiro mais bonito, se a lua cheia que nos ilumina continua a me encher de tristeza.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Fases da lua

Personalidades que se (con)fundem. Essência que jorra da fonte de água que apenas os ricochetes movimentam. Nesse teatro, nossas personalidades não terão fim: os papéis mudam, as personagens adquirem as características das outras e as outras, das outras, num ciclo infinito. Parte de mim que deixei com você e com tantas outras pessoas está dançando por aí, rodopiando com o vento, a erguer folhas e poeira. Sua parte em mim se confunde com o que um dia fui. E mesmo quando você não está se mantém viva a mergulhar pelo meu corpo, como se sangue fosse. Me percorre. Leva e traz memórias e tantas outras coisas irreais: existem apenas na minha mente. Vezes confundo a realidade dos fatos, com a dos meus pensamentos. Me iludo e gosto. Fico mais um pouco na ilusão que é pra ver a sinestesia das coisas. No mar do céu, as estrelas cadentes são ricochetes e eu me guio apenas pela lua. Saio a noite com tantas pessoas em mim fazendo parte do que me tornei que vezes, penso ter deixado o olhar que um dia tive ao ser criança em algum canto da calçada que nunca mais pisei, porém, a parte de mim que ali reside pisa através de outros pés: botinas, tênis, sandálias e, por vezes, um cão de rua, vem a reconstruir cada pedaço de mim, formando enfim, o texto completo do que vem a ser o enredo da minha vida.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Tinha como meta do dia o parar de pensar por o máximo de tempo possível: assim eu dispensaria qualquer inquietação do meu ser. Seria uma conquista. Logo eu, cujos pensamentos sempre me engoliam e na calada da noite, e no pico da confusão, deixava de ser uma pessoa e passava a me reduzir apenas a eles. Minha cama fazia-se barco em noite nebulosa. O vento forte movia-me sem direção a um porto inexistente. Era com aflição que eu tentava comer o meu medo e olhar para a água do mar. Água forte, agitada, água imperdoável. Água que me carregava para onde bem entendia. Navegar no desconhecido sempre foi minha fascinação. Fascinação que me levara a afundar tantas vezes. Ah! Tantas tinham sido as vezes em que me sufoquei mantendo o corpo preso no fundo das coisas: era um caminho sem volta. Meu mar tempestuoso e indecifrável eram seus olhos e eu suava frio. Mas iria meditar. Não pensaria em nada. Apenas seria. Leve como a brisa que passeia sobre os meus cabelos nos dias azuis, eu apenas seria e sentiria. Sentiria o nada, que é tão mais forte e completo, tão mais real que eu. Passar o dia sem pensar foi, sem dúvida, a ilusão mais doce que já tive. Ao meditar, me vi caindo na tentação inevitável dos pensamentos. O silêncio foi o precipício que me tentou a conhecer o que de mais obscuro trazia. Perguntei-lhe, aflita: só ouvi meu eco como resposta. O eco transpassou meu corpo, gélido. Transpassou, vagarosamente, minhas mãos e minhas pernas - já sem sustentação - e, ainda não conseguindo a anestesia que tantas vezes me tomara e que ( por que não? ) me salvara, foi que me tornei apenas aquele eco. Eu era o precipício de mim mesma: adentrar meu núcleo me seria possível?

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Você está dentro de mim. É como uma parte que em mim adormecia, esperando, serena, a sua chegada. Se o invólucro muda, trago a certeza de que és também essência minha e essa, por ser intrínseca a mim, carregarei por todo o meu existir. És o desconhecido de mim mesma. Parte que tanto amo de mim! Seus olhos são mar que navego sem pressa e sem destino, numa viagem que percorre minha alma. É a água do mar que me vejo refletida e que me mostra mais de mim do que o que eu mesma sei, por vezes me assusto. Seu azul me contagia porque o vejo no céu, no mar e na chuva. O vejo nas coisas indecifráveis, apenas sentidas. Vou dormir e acordo todos os dias olhando para o retrato feito pela sua mão e pela sua alma, que é pra me dar força pra seguir em mais um dia: os olhos fechados, são para não ver e assim, não pensar sobre as coisas que podemos tocar. Os olhos fechados querem apenas sentir e é então que a nudez da alma se faz. Desnudo minha alma e entrego-a inteira: tome-a, que às vezes não a posso suportar apenas em mim! Você me fez observar o mundo e, falar menos. Seu silêncio me diz tanta coisa! Quero ver seu filme favorito. Ler, como quem lê o núcleo da vida, seu livro favorito: suas canções favoritas me fazem chorar. Trazem à superfície meus sentimentos mais profundos, tantas vezes massacrados pela labuta diária. Não, tudo o que te escrevo não traduz o que sinto como eu queria que traduzisse: as palavras nos traem, mas eu insisto em despejá-las, ainda assim, como marca do que vem me agitando tanto. É essa vontade de se dar, que tem me feito gostar mais de mim. É o violino, tocado pelo Joshua me machucando, para depois, me curar. Ouço o violino e sinto seus sentimentos, posso sentir a vibração de cada nota a sair pelos seus traços em forma de desenhos. É minha alma agradecendo por ter te encontrado e assim, me encontrado um pouco mais. É minha alma exalada na vida que te salta, exalada no que sua boca cala, mas teus olhos não. É vida sendo exalada em você e nas estrelas que hoje, me brilham mais.

Você me veio leve como a brisa, que distraída,dança com as folhas, dança com meus cabelos e com meu coração. Seus olhos escuros, me fazem querer tão mais as coisas que não vejo - devido a escuridão do meu pensamento -, mas que sinto. Sem uma palavra me colocou no colo, e foi também sem nenhuma palavra que me vi entregue ao doce do desconhecido.
Seu sorriso me desperta sentimentos bons, dos quais nem sei dar nome. Me lembro de quando te vi cantando: sua alma entregando-se a cada sustenido e bemol. Te vi com o olhar fixo no violão. A alma fixa na canção e então você se infiltrou a ponto de se tornar a própria música que ouvi, sublime, naquela madrugada. Me tomou no colo como quem carrega qualquer coisa de muito preciosa, com aquele tipo de carinho que nos deixa sem reação, que só o abraço forte e cafunés conseguem transmitir, juntamente com nossos olhos escuros. Nossos olhos são escuros como os sentimentos que não vemos, mas sentimos tão forte como só o que não pode ser visto e tocado pode ser. Quando te li nos olhos a tristeza: senti-a em mim, a tomar cada membro meu. Ah, como eu queria roubar-te a tristeza com a força de um abraço! Te abraço forte, que é pra sentir seu coração batendo, te sentir sendo, te sentir viva. Te beijo o olho, mas borro-o com meu batom vermelho - o mesmo que se impregna na ponta de todos os meus cigarros e que você, já lê tão bem. Estou fumando um cigarro por você: a fumaça envolve-me de sentimentos bons e te desenha no ar. Você é o ar. É coisa que respiramos, que é parte de nós. É leve e sentimos a nos embriagar diariamente do que não tem explicação. Seu corpo é poesia ambulante, que não pesa, nem dá forma: carrega-se com a leveza do que é livre. É desenho na nuvem. Você é leve como a pluma que agora pousa em mim. É leve como a flor que desabrocha, sem pressa, no meu quintal. É a leveza da chuva que purifica e renova e que tanto gosto de sentir o cheirinho quando cai na terra, lavando tudo. Se leveza tivesse um nome, seria o seu.
Você me veio leve como a brisa, que distraída, dança com as folhas, dança com meus cabelos e com meu coração e que hoje, já não me deixa traduzir o que é solidão.

( era noite de estrelas lucidas: liam-se amor.)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sentada ao seu lado na van, enquanto o Caetano canta, as nuvens passeiam onde navego e sua presença faz-se tão completa que te sinto dentro de mim, não me dou conta de que és outro ser. Não me dou conta de que tens suas certezas tão imutáveis refletidas no seu olhar gélido, que tantas vezes me congela. Você traz um olhar triste que me conta muitas histórias. Que me traz o perfume e espinhos, mas nunca a rosa. Guardo as cinzas da rosa despetalada pelo tempo no meio daquele livro do Drummond e te falo que até mesmo o excesso de luz cega.Eu me infiltro entre as nuvens e navego no desconhecido azul do céu de pensamentos. Joga sua essência nas minhas entranhas! Meu coração comprime-se ao te ler os gestos. Solta o grito, não posso mais suportar a voz abafada que cala seus sonhos e esperanças! Minha esperança é barco pesado demais, que me conduz ao dilúvio das coisas concretizadas apenas na minha imaginação - essa menina, bruta, que me chicoteia tantas vezes e que me sujeita a seu jogo sujo. Jogo delicado que não posso tocar, nem ver, mas que é tão maior que eu por não ter forma definida. Não tem limitações. 259 km hão de nos separar um dia, por enquanto, são 259 anos-luz que nos distanciam. O sol tocando minha pele traz-me a mensagem de que estou viva e aquece meus sentimentos. Em dias como esse, olho com tanta angústia para o céu que posso sentir as nuvens encobrindo-me em sua imensidão. Toma formas que dissolvem-se no azul dos meus pensamentos. Quando choro, posso sentir: as nuvens navegam até mim, o azul dá lugar ao cinza. Tento voltar à superfície e respirar, mas elas passam por minhas entranhas e já não posso tocá-las. Nuvens passeando por cada pedaço de mim. Vão mudando-se em formas diversas que se chocam com as verdades que até então eu trazia. E é então que chove. A chuva é o sangue que percorre minhas veias em direção ao meu coração. Vai lavá-lo para que este não siga sendo tão seco e oco - por vezes, foi tão oco que eu podia ouvir suas falas a ecoarem pelas paredes do meu corpo, que são minha forma. Sinto que nesses dias em que as nuvens choram, transcendo as formas limitadas do meu corpo, como se permeáveis elas fossem e, assim como as nuvens, tomo outras formas - que se parecem muito com os desenhos, que cada um vê de um jeito a se formar nas nuvens. Em qual forma você vê minha alma? Entendo que ela é como os desenhos nas nuvens: onde eu enxergava animais estranhos, meu amor enxergava um sorvete-nuvem e, em alguns minutos, nenhum dos desenhos encontravam-se no céu. Dissipara-se para tomar outra forma, pois aquela não mais lhe cabia. Aquela forma quer ser livre. A forma é minha alma na forma de nuvens, formas mutáveis e insistentemente livres, que dão agora lugar ao sol.

sábado, 23 de novembro de 2013

Tu beijas minha boca, borra meu batom vermelho e morde meus lábios demoradamente, mas não vê a poesia que trago entre eles e que de noite me engole. Tu deixas seu cheiro no meu travesseiro e quando sais, deixa um pouco do seu perfume a embriagar o quarto. Na cama em que deitamos, você vem e volta. Meus pensamentos ficam, você não. Meu olho direito você beija três vezes seguidas, mas ignora minha visão poética das coisas. Você reclama do vento e eu o vejo a dançar com as folhas das árvores e, cabelo ao vento, danço junto: transo com o vento sempre. Minha tv é céu, sobre a minha cabeça as estrelas e a lua como única luz. A cidade nos atrapalha demais escondendo as estrelas e dando lugar apenas aos aviões. Você se incomoda por eu te olhar demoradamente. Fica sem jeito, pede pra eu desviar meu olhar. Suas pupilas: inquietas. Te explico que preciso dos teus olhos pra ter-te por inteira e peço-te para que não use óculos escuro, meu amor. Te imploro que não uses. Quero olhar para seus olhos e ver-te sendo, assim como me vejo ser. A maioria das pessoas são sem se dar conta disso. Você levemente existe, enquanto eu, vejo minha existência a pesar toneladas de angústia por sobre você. Ela me massacra, mas carrego-a com força para que não te doa como dói até então em mim. Você reclama do meu cigarro, mas não repara na marca de batom vermelho que deixo, distraidamente, na ponta de todos eles. Das minhas brisas entende apenas o riso, e o que mais importa? Rimos então. Liga para me dizer que está ouvindo nossa música, mas não a reconheces quando é da minha boca que a voz penetra o ar e enche o quarto e minha alma de bemóis e sustenidos. Mas você se arrepia. Eu sinto que sentes e isso me basta: que mesmo não entendendo, sinta. Afinal, talvez seja a sua leveza que vai me salvar dessa morte diária da existência, dessa forma líquida que tomo como minha tantas vezes. Vai me salvar das vezes em que escorrego inteira pelo ralo do banheiro. Me salva do entendimento das coisas! Quero apenas sentir! E que a loucura da falta de sentido, essa que move a humanidade, não nos abandone. Felizes os que sentem a loucura acima de qualquer coisa e eu, mesmo sendo repreendida por ti, continuo a te olhar nos olhos. Olhos de jabuticaba. Continuo a mergulhar no infinito do que tua boca cala. A nossa música continua, o inverno em mim não.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Você não sabe o que é tatear no escuro depois de ver as cores sumirem, procurando qualquer objeto divino que possa colocar fim a todos os males decorrentes do cativeiro de sua alma, cujos cadeados enferrujados são a falta de liberdade - tiram-te além da liberdade de vida, a de morte - , vigiam-te vinte e quatro horas por dia a fim de rir sarcasticamente da tortura que é manter-te ainda existente. As luzes: mantém-nas acesas dia e noite para que perca a noção de tempo (este não existe mais) . Você dorme, mas a dor não passa e clama por sonos cada vez maiores.Arrancam de dentro de sua bile sorrisos forçados que saem como vômitos. Há tanto tempo sem ver teu rosto que já não se lembra de quem tu és, mas fazem a tua imagem formulada nos gritos incessantes que vêm do porão escuro das palavras laminadas que te dilaceram. O choro, ao nascimento, anunciava o que viria, mas insistiram ainda assim em te trazer a esse calabouço chamado realidade. Ah, como eu queria voltar ao útero! De bruços me deito na água, imaginando o dia em que a cortina gloriosamente se abaixará e anunciarão então o final do espetáculo. Silêncio. Ninguém aplaudirá.

(e a liberdade estampada nos olhos cinzas do morto)

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Cheirar, tremer, gozar a vida na forma de amor dos rebeldes, nas diversas formas de amor, que nos dilaceram quando longe, que nos arrancam grandes pedaços quando distantes. Ver a
cidade e cada canto escuro a pulsar frustração em não poder sentir junto com você o cheiro da chuva que nos lava e agora, contemplar a lua pálida por minha saudade. Ao seu lado emudecer e gritar tudo com meu olhar que você já decifra tão bem. Sabe do meu romantismo sem palavras e do teu 'eu te amo' que, por vezes, não respondo. A luz da manhã surge, resplandecente, a trazer meu sorriso mais iluminado depois de despenteados acordarmos e dormirmos para o mundo. Nascemos enfim, depois de tanta morte diária, nascemos enfim do compartilhar de nossas almas, nascemos de bruços, como o nascituro que se forma, no ventre, mergulhado no líquido da vida, quieto. O parto se dá toda vez que nos amamos. O parto se dá. Nos partimos e já tens a parte de mim que eu mais gosto. O parto acontece, mas dessa vez ao invés do choro ao nascer, o que se decifra são sorrisos bobos de crianças que amam, sem saber muito bem o que seja isso, inconsequentemente. Nascemos enfim do ninho do amor e ao longe

voamos no infinito do nosso olhar, cruzado nos ares
da liberdade.