segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Tem alguma coisa dentro de mim a pesar mais que o meu corpo e me pergunto se quem mergulha no meu olhar pode vê-la. Carrego-a como quem carrega o nascituro sabendo que um dia ele virá a ver a loucura dos homens e a escuridão do mundo. O peso me corrói ainda mais quando vejo o pôr do sol depois de um dia difícil, daqueles em que sou engolida pela labuta das horas. Ando devagar a arrastá-lo sob o asfalto juntamente com a minha sombra. Sinto-o a percorrer cada membro meu através do meu sangue e vezes vai alojar-se no meu coração: nesses dias não consigo manter o equilíbrio e pendo para o lado esquerdo. Vejo as nuvens cheias do cinza da minha tristeza e então sei que vai chover e vou sentir o gosto salgado das lágrimas. A chuva cai lavando todos os prédios da cidade, muros pichados e o asfalto sujo por onde tanto pisei. As pessoas se escondem em suas casas, com medo da transformação que nos acomete toda vez que permitimos nos deixar lavar pela água que cai do céu.
Esse peso que arrasto como à minha própria sombra, tem a melodia do silêncio, mas a recordação da nota desafinada. Da casa vazia. Dos móveis angustiados. Nada mais cabe aqui. Está tudo tão apertado. Tem um pouco do peso nos seus olhos: não resido mais em mim.
Tem alguma coisa dentro de mim a pesar mais que o meu corpo, que me massacra o ser. Tento entender como é possível ter um limite físico toda essa tonelada que tem massacrado tudo o que existe e descobre-se sozinho no mundo: a existência é o peso intrínseco a tudo o que se faz vivo, mas morre todos os dias, um pouco mais.