sábado, 24 de março de 2012

doce acidez

Você me pediu um poema, mas querida, eu não consigo rimar ou ver qualquer poema que possa ser mais bonito que a sua forma de arder. Conheço a sua acidez, que traz consigo uma vontade e gritos nítidos pedindo para ser doçura. Doçura da qual eu provo todas as noites quando passeamos - quase sempre a passos rápidos, é verdade- de mãos dadas pela faculdade. No caminho entre a nossa sala e o bar há sempre um encaixe tão ritmado entre você e eu que chego vezes a pensar que somos a mesma. Sei que você vai me contar do seu fim de semana agitado e depois das suas angustias, enquanto aperta a minha mão. E depois, ardendo, vai sair correndo e gritando pelos corredores daquela faculdade e voltar agitada procurando me morder para que eu tenha a marca dos seus dentes em minha pele por pelo menos uns dias, e ah! como me lateja tudo isto! Me lateja saber que, de alguma forma, eu preciso da sua loucura para reacender a minha, nas horas em que, teimosa, esta insiste em ser lucidez. Preciso de você e da sua acidez quando não tenta disfarçar a raiva que sentes e que tanto lhe ferve os lábios quando me fala dele, que já foi teu. Ah, como preciso da sua doçura que salta quando cansa-se de se esconder no fundo do copo quase transbordado de acidez. Preciso de você porque você é um misto de acidez, doçura e loucura gritante. É ardência e toda vez que volto para casa cansada e desgostosa, me deito e me lembro de você, eu inevitavelmente me lembro: 'não posso me esquecer de viver' e a partir daí, bem, a partir daí eu vivo, ardo e chego a delirar: viver tem um gosto e tanto!

segunda-feira, 19 de março de 2012

não haverá ninguém para aplaudir

Vendo minha vida passar sob meus olhos espelhada no vidro molhado pela chuva, é inconstância que escorre, é liberdade, amor, pois o canário preso na gaiola do quintal não quer cantar mais. Cansou de assistir tudo pela grade. Pego na tua mão, te acaricio e te dou afeto, mas por céus, não insista para que eu te peça para ser apenas meu se te quero assim, livre, como o vento que me desata os cabelos. Voe por aí e distribua seus beijos entre elas e depois, saciado, deite-se com eles. Não posso e não quero te privar do desejo de outro corpo que não seja o meu e eu te peço, deseje, arda e não seque, por favor, não seque. Eu estarei lá, sentada em algum canto da cidade ou no alto da escadaria vendo a mata ser invadida pelas construções, estarei sedenta de fome e sede, procurando, como você bem sabe, uma vida simples e pés descalços. Não, eu não cogito a ideia de entender a cidade, mas preciso fazer parte dela, observá-la não é o bastante e eu me recuso a ser plateia quando simplesmente posso fazer parte do elenco e interagir com ele. Se você não repara nos grafites dos muros da cidade, na lua ou foge da chuva toda vez que ela insiste em cair, eu estarei chovendo sobre você, tendo em vista que faço isso todos os dias quando cansada, encosto o meu rosto na janela dos ônibus. Eu quero estar no meio do povo, conversar com o mendigo da praça, com a trans da esquina e com o bêbado largado no chão. Não penso em entender a cidade, como te disse, mas as misérias realmente não te gritam nada? Há tanta vida escorrendo lá fora, querido. Escorrendo sob meus olhos e eu me recuso a ser plateia, quando sei, que cedo ou tarde a cortina do teatro vai se fechar, as luzes vão se apagar e vão anunciar, sem piedade alguma, o final da peça.

segunda-feira, 12 de março de 2012

desculpe, Mari(n)a, morena, mas eu tô de mal

Atravessou o país
num ônibus
só você sabe o que é ter pavor de avião
de nuvens
e de tempestades

está chovendo aqui, Maria
trovejando forte
e eu insisto em te procurar
com medo
nos cantos da casa

na cozinha
ainda tem nós duas discutindo religião. tem cheiro de andu e de carinho.
na sala
ainda tem você a tarde toda esparramada no sofá, assistindo novelas e eu, Almodóvar
no quarto
tem Marina Morena, que a Calcanhotto insiste em cantar

você em casa
eu na rua

Maria, se você passa a vida toda assistindo o mundo pela janela da sala
não faz parte dele
apenas observa

me observa chegar às três da madrugada
com cheiro de cigarro
e insiste em não aceitar os meus convites para dar uma volta na quadra

você é igreja, novelas e saias longas
sou loucura, nudez e cigarros,

mas na bagunça do meu quarto ainda tem você
sentada ao meu lado, cantando Marina Morena
eu sempre erro a letra toda
distraída demais olhando você cantar e se remexer na cadeira
no ritmo da música

Maria, está tudo intacto aqui
só meu quarto
que anda mais branco
mais monótono
meu violão que insiste em manter-se ora desafinado, ora mudo
o lencinho branco que você esqueceu
continua em cima da cama que você dormia
fiz questão de não arrumar
o travesseiro ainda tem a marca da sua cabeça

se eu insisto em me referir a você no presente, Maria
se agora meus óculos embaçam de lágrimas
as suas já secaram
você não respira mais
e eu continuo aqui
respirando cada molécula da sua alma
nos cantos da casa.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Apaixonei-me por ela a quem eu conheço apenas a escrita. Seu corpo gritava poesia e amei-a até as últimas palavras cravadas em cada pedaço do seu corpo nu.

domingo, 4 de março de 2012

vem
me aperta num abraço até que eu quase sufoque,
já que essa saudade tanto tem me sufocado todos esses dias
e coloca teu peito perto do meu
para que sentindo a batida do teu coração eu tenha a certeza de que realmente vivemos
vem e sussurra no meu ouvido dizendo que me ama,
pois meu coração tem gritado a cada batida esta mesma frase

eu ando tão perdida por aqui
há toda essa inconstância sobre o tudo e o nada
ambos martelando
sempre
em direções contrárias
ou não

sigo me sentindo menos humana
e vendo a vida da gente não se encontrar
e a vida de gente, como a gente
a morrer serena no pasto
que é o mundo
habitado por nós
animais

é verdade
o céu é apenas céu e eu não vejo mais desenhos nas nuvens
como costumávamos fazer

vem e vem logo,
porque disto tudo a única certeza que tenho é a de que sinto
sinto cada vez mais
e eu realmente sinto muito por isto.