segunda-feira, 12 de março de 2012

desculpe, Mari(n)a, morena, mas eu tô de mal

Atravessou o país
num ônibus
só você sabe o que é ter pavor de avião
de nuvens
e de tempestades

está chovendo aqui, Maria
trovejando forte
e eu insisto em te procurar
com medo
nos cantos da casa

na cozinha
ainda tem nós duas discutindo religião. tem cheiro de andu e de carinho.
na sala
ainda tem você a tarde toda esparramada no sofá, assistindo novelas e eu, Almodóvar
no quarto
tem Marina Morena, que a Calcanhotto insiste em cantar

você em casa
eu na rua

Maria, se você passa a vida toda assistindo o mundo pela janela da sala
não faz parte dele
apenas observa

me observa chegar às três da madrugada
com cheiro de cigarro
e insiste em não aceitar os meus convites para dar uma volta na quadra

você é igreja, novelas e saias longas
sou loucura, nudez e cigarros,

mas na bagunça do meu quarto ainda tem você
sentada ao meu lado, cantando Marina Morena
eu sempre erro a letra toda
distraída demais olhando você cantar e se remexer na cadeira
no ritmo da música

Maria, está tudo intacto aqui
só meu quarto
que anda mais branco
mais monótono
meu violão que insiste em manter-se ora desafinado, ora mudo
o lencinho branco que você esqueceu
continua em cima da cama que você dormia
fiz questão de não arrumar
o travesseiro ainda tem a marca da sua cabeça

se eu insisto em me referir a você no presente, Maria
se agora meus óculos embaçam de lágrimas
as suas já secaram
você não respira mais
e eu continuo aqui
respirando cada molécula da sua alma
nos cantos da casa.

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