sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

da sala de espera

Sentia-se numa eterna sala de espera, sem saber ao certo o que poderia ela estar esperando assim, tão incansavelmente quanto esperava-a num canto empoeirado a sua vontade de ser. E enquanto contava as horas que a separavam da chegada do momento, se via refletida, distorcida como sua alma, numa xícara já fria de café amargo. Distorcidas as paredes e o chão não mais plano, viu-se tomada por uma dor causada por cada membro que insistia em não querer mais existir, como se amputados fossem. Os dedos da mão esquerda afrouxam-se fazendo com que a xícara esparrame-se pelo chão, como ela até então estava, a xícara agora também quebrara-se, assemelhando-se à ela, pedaço por pedaço cortante. O relógio, já fraco, percebera só agora, insiste em não fazer seus ponteiros moverem-se e pesa no prego enferrujado que o segura inutilmente. Os dedos da mão direita continuam a manter a brasa do cigarro por entre eles, que assim como sua vida, queima sem ser notada e grita para que a traguem e soltem sua fumaça aos quatro ventos, mas ela continua ali, onde o tempo já não pode ser contado pelo relógio: a assemelhar-se cada vez mais com cada móvel, numa eterna sala de espera.

(Morria pela segunda vez no dia, nesse instante.)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

memorial

Na parede do meu quarto, colo desenhos que eu pintava por volta dos onze anos de idade para não deixar-me esquecer de quem já fui.
No guarda-roupa, num canto embaixo de todas as roupas, deixo as blusinhas que aprendi a costurar no overloque por volta dos meus doze anos, nunca mais voltaria a tecer algo, além de alguns textos de versos pobres que dizem-me soar tristes mesmo quando já não me dou conta do que possa ou não significar a melancolia.
O Piazzolla insiste em me machucar com Soledad, várias vezes ao dia.
A janela do meu quarto está aberta a fim de ouvir o som da chuva, mas o vento não entra.
Volto para a parede, preciso agora colar os folhetos dos protestos pacíficos que já participei, que é pra contrastar com essa anestesia que trago agora, a arrastar juntamente com a minha sombra por todos os lugares por onde passo.
Perto da janela, há algumas dezenas de medalhas, estas me chamam mais a atenção. Intocáveis durante anos, trazem consigo um misto de vitória e derrota. Brilho e abandono. Pó. Riscos. Assemelham-se tanto à mim, que pego-me enfeitiçada e alerta: não quero mais ser apenas uma memória. Página incompleta.
E na parede branca, aos poucos preenchida com desenhos, folhetos, fotos, textos e notas musicais, me vi, no canto inferior, a tapar a parte mal pintada, como uma memória, mas ao contrário dos desenhos, medalhas, blusinhas costuradas e textos, não houve quem me recordasse.


(Era carnaval e o incenso de fragrância desconhecida acabara-se. As cinzas dele, não.)