segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

memorial

Na parede do meu quarto, colo desenhos que eu pintava por volta dos onze anos de idade para não deixar-me esquecer de quem já fui.
No guarda-roupa, num canto embaixo de todas as roupas, deixo as blusinhas que aprendi a costurar no overloque por volta dos meus doze anos, nunca mais voltaria a tecer algo, além de alguns textos de versos pobres que dizem-me soar tristes mesmo quando já não me dou conta do que possa ou não significar a melancolia.
O Piazzolla insiste em me machucar com Soledad, várias vezes ao dia.
A janela do meu quarto está aberta a fim de ouvir o som da chuva, mas o vento não entra.
Volto para a parede, preciso agora colar os folhetos dos protestos pacíficos que já participei, que é pra contrastar com essa anestesia que trago agora, a arrastar juntamente com a minha sombra por todos os lugares por onde passo.
Perto da janela, há algumas dezenas de medalhas, estas me chamam mais a atenção. Intocáveis durante anos, trazem consigo um misto de vitória e derrota. Brilho e abandono. Pó. Riscos. Assemelham-se tanto à mim, que pego-me enfeitiçada e alerta: não quero mais ser apenas uma memória. Página incompleta.
E na parede branca, aos poucos preenchida com desenhos, folhetos, fotos, textos e notas musicais, me vi, no canto inferior, a tapar a parte mal pintada, como uma memória, mas ao contrário dos desenhos, medalhas, blusinhas costuradas e textos, não houve quem me recordasse.


(Era carnaval e o incenso de fragrância desconhecida acabara-se. As cinzas dele, não.)


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