segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os sorrisos das fotografias nos porta-retratos na sala têm me cansado, enferrujados e petrificados demais para trazerem consigo qualquer brilho no olhar senão o do flash da câmera. Porque não é tão fácil saber se as curvas do sorriso é mero mecanismo enquanto a moldura e cenário da foto são, por vezes, tão bonitos. A flor vermelha, de plástico, mergulhada na água, como enfeite apenas, está há cerca de seis anos em cima da mesinha da sala, flutuando e debochando sua imortalidade, lança-me um sorriso sarcástico, ela não irá morrer. Cada móvel e cada metro das paredes brancas mal pintadas dessa casa parecem saber o quanto meus pensamentos têm se combatido em minha mente, numa até então contradição com meus atos. A televisão, desligada, eu já venci.O relógio na parede do meu quarto e seu TIC-TAC diário martela em minha cabeça incansavelmente. TIC-TAC. A brevidade dos olhares fazem com que uma piscada de olho seja tempo demais a ser perdido. Nada é certo e eu insisto em duvidar das grandes verdades do mundo, visto que estas só me trazem novas duvidas. Quero andar na beira de um precipício, olhar para baixo e no meio do meu delírio gritar para a vida indagando o que ela quer de mim, meu grito ecoará me devolvendo a pergunta, eu sei. Eu realmente não posso esperar uma resposta satisfatória quando nenhuma pode ser capaz de me fazer parar de correr, errar, ter fome e me satisfazer.A vida me traga lentamente se eu não a tragar primeiro, então eu solto sua fumaça aos quatro cantos: me sinto viva, posso sentir, não sou o porta-retrato da velha fotografia ou o enfeite na mesa da sala. Vivo, e porque vivo meu sorriso é verdadeiro.TIC-TAC.Não tenho tempo a perder. Eu vivo.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Passaram-se cinco estações desde o outono em que te vi indo embora e desde então passo as estações tentando, frustradamente, encontrar alguém que me faça despertar a pessoa que eu era quando estava ao seu lado.
Passei o inverno fugindo da chuva, enquanto sei que escolheríamos sempre o caminho mais longo ainda que estivesse chovendo.Minha blusa colaria em minha pele, desenhando os meus traços, minhas mãos frias tremeriam e meus dentes se bateriam uns nos outros. Você riria enquanto me abraçava, me apertando com força, e por fim, calaria meu frio num beijo longo.
Sinto que a parte que eu mais gostava de mim adormeceu naquela tarde em que te vi com os olhos vermelhos,o adeus no coração, disparado, a me abraçar pela última vez. Ainda sou capaz de sentir o calor do nosso último beijo, a última canção dedilhada no violão e nossa música tocando no rádio, o dia todo. Se eu soubesse, eu te morderia com força, mais uma vez, e depois, quase arrependida, vendo minhas marcas na sua pele, iria beijá-las tentando amenizar sua dor.
Vou me mudar dessa cidade cujo asfalto mantem impregnado a sujeira de cada palavra que eu não te disse e de todas as nossas promessas vãs, que é pra ver se me esqueço da gente, naquela grama, vendo e rindo dos desenhos nas nuvens.
É difícil não me lembrar quando quase posso ver a marca das suas mordidas ainda em minha pele, sentir o cheiro do seu cigarro em minhas roupas e seu gosto em mim. Se faço o mesmo caminho que fazíamos todos os dias e se todos os casais que vejo na rua me lembram a gente.
Passaram-se cinco estações e desde então, gosto menos de mim.