segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

às cegas

sou uma fruta estranha, talvez aquela que recolhida antes do tempo, ainda verde, foi deixada na fruteira até amadurecer completamente e, por fim, acabou esquecida. Só será lembrada quando começar a cheirar mal. Talvez alguns frutos tenham sido feitos para nunca serem provados, se assemelham aqueles que amadurecidos demais caem da árvore-mãe e são recolhidos por uma vassoura, ou pelo tempo, ou pelos bichos, ou pela decomposição, pelo solo. Mas eu sou a fruta estranha da árvore que nunca vi, que não senti o cheiro, que não suguei e que acabou na espera da fruteira. E como pode-se saber o gosto do fruto sem mordê-lo e sem devorá-lo? Encrave seus dentes em mim enquanto amadureço, serena, na última repartição da fruteira, vendo as outras frutas irem desaparecendo, pouco a pouco, amadurecidas e embelezadas pelos agrotóxicos. Nada é verdadeiro. O que é ser verdadeiro afinal? Me prove. Me devore, não com os olhos, mas com o saciar da primeira mordida às cegas. Apalpe-me a fim de tentar descobrir com qual forma me assemelho e se preciso, depois de lambuzados, lamba os dedos para verdadeiramente descobrir meu gosto, mas por favor: não me recolha se não for para me engolir, inteira.