segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Tem alguma coisa dentro de mim a pesar mais que o meu corpo e me pergunto se quem mergulha no meu olhar pode vê-la. Carrego-a como quem carrega o nascituro sabendo que um dia ele virá a ver a loucura dos homens e a escuridão do mundo. O peso me corrói ainda mais quando vejo o pôr do sol depois de um dia difícil, daqueles em que sou engolida pela labuta das horas. Ando devagar a arrastá-lo sob o asfalto juntamente com a minha sombra. Sinto-o a percorrer cada membro meu através do meu sangue e vezes vai alojar-se no meu coração: nesses dias não consigo manter o equilíbrio e pendo para o lado esquerdo. Vejo as nuvens cheias do cinza da minha tristeza e então sei que vai chover e vou sentir o gosto salgado das lágrimas. A chuva cai lavando todos os prédios da cidade, muros pichados e o asfalto sujo por onde tanto pisei. As pessoas se escondem em suas casas, com medo da transformação que nos acomete toda vez que permitimos nos deixar lavar pela água que cai do céu.
Esse peso que arrasto como à minha própria sombra, tem a melodia do silêncio, mas a recordação da nota desafinada. Da casa vazia. Dos móveis angustiados. Nada mais cabe aqui. Está tudo tão apertado. Tem um pouco do peso nos seus olhos: não resido mais em mim.
Tem alguma coisa dentro de mim a pesar mais que o meu corpo, que me massacra o ser. Tento entender como é possível ter um limite físico toda essa tonelada que tem massacrado tudo o que existe e descobre-se sozinho no mundo: a existência é o peso intrínseco a tudo o que se faz vivo, mas morre todos os dias, um pouco mais.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Frida e suas cores misturadas com a minha dor formam um misto de mar e lua. O azul do mar me engole em Santa Catarina. Em São Paulo, o cinza do céu reflete uma lágrima enquanto o cinza da fumaça, disputa lugar com o sol, que cansado, se põe. Disputo meu lugar entre a vida e a morte, onde a lacuna se chama solidão. Costuro no meu peito o infinito do mar, o da saudade de um riso já enferrujado pelo tempo.

Agora é tempo de folhas secas cobrirem o chão...

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

maquinaria

A engrenagem do mundo não para, para ver o azul, nem sabe da economia do ócio. Ela nos quer dentro das coisas materiais e profetizadas, enquanto eu sigo querendo a heresia do viver. Carrego a existência por cima do ombro esquerdo e às vezes, ela tem o gosto da lágrima salgada de uma criança. Da felicidade espero apenas a brevidade das folhas que só permanecem para caírem na próxima estação: o pôr-do-sol durou apenas sete minutos. O sustenido do instante seguinte na nota do tempo foi à engrenagem da existência, não me permitindo deixar de sentir estar no mundo, navegar no desconhecido de mim mesma e afundar de uma só vez, no meu próprio núcleo.
Volto ao passado, a cada vento que sinto a me acariciar, o reconstruo na minha mente juntando todas as suas cinzas, que recolho do cinzeiro velho do quarto. Cada vez que penso em tudo o que ali passamos, a imagem que se monta é diferente. Depois de um tempo passei a lembrar apenas do seu cheiro: seu rosto já havia se diluído na minha memória, mas a essência ficara. Agora que o cheiro escapou pela porta das minhas emoções, a única coisa que vejo quando tento me lembrar de você é um grande buraco branco, que descubro ser uma fotografia minha, refletida no espelho do quarto. Foi assim que entendi, finalmente: você é o desconhecido de mim.



segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Perdi minha casca no último vendaval que assolou minha alma e, sem proteção, jorrei minha essência ao vento, como se fosse semente, mas nada dali brotou. Não quero que me regue ou que me leve a um canteiro mais bonito, se a lua cheia que nos ilumina continua a me encher de tristeza.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Fases da lua

Personalidades que se (con)fundem. Essência que jorra da fonte de água que apenas os ricochetes movimentam. Nesse teatro, nossas personalidades não terão fim: os papéis mudam, as personagens adquirem as características das outras e as outras, das outras, num ciclo infinito. Parte de mim que deixei com você e com tantas outras pessoas está dançando por aí, rodopiando com o vento, a erguer folhas e poeira. Sua parte em mim se confunde com o que um dia fui. E mesmo quando você não está se mantém viva a mergulhar pelo meu corpo, como se sangue fosse. Me percorre. Leva e traz memórias e tantas outras coisas irreais: existem apenas na minha mente. Vezes confundo a realidade dos fatos, com a dos meus pensamentos. Me iludo e gosto. Fico mais um pouco na ilusão que é pra ver a sinestesia das coisas. No mar do céu, as estrelas cadentes são ricochetes e eu me guio apenas pela lua. Saio a noite com tantas pessoas em mim fazendo parte do que me tornei que vezes, penso ter deixado o olhar que um dia tive ao ser criança em algum canto da calçada que nunca mais pisei, porém, a parte de mim que ali reside pisa através de outros pés: botinas, tênis, sandálias e, por vezes, um cão de rua, vem a reconstruir cada pedaço de mim, formando enfim, o texto completo do que vem a ser o enredo da minha vida.