quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sentada ao seu lado na van, enquanto o Caetano canta, as nuvens passeiam onde navego e sua presença faz-se tão completa que te sinto dentro de mim, não me dou conta de que és outro ser. Não me dou conta de que tens suas certezas tão imutáveis refletidas no seu olhar gélido, que tantas vezes me congela. Você traz um olhar triste que me conta muitas histórias. Que me traz o perfume e espinhos, mas nunca a rosa. Guardo as cinzas da rosa despetalada pelo tempo no meio daquele livro do Drummond e te falo que até mesmo o excesso de luz cega.Eu me infiltro entre as nuvens e navego no desconhecido azul do céu de pensamentos. Joga sua essência nas minhas entranhas! Meu coração comprime-se ao te ler os gestos. Solta o grito, não posso mais suportar a voz abafada que cala seus sonhos e esperanças! Minha esperança é barco pesado demais, que me conduz ao dilúvio das coisas concretizadas apenas na minha imaginação - essa menina, bruta, que me chicoteia tantas vezes e que me sujeita a seu jogo sujo. Jogo delicado que não posso tocar, nem ver, mas que é tão maior que eu por não ter forma definida. Não tem limitações. 259 km hão de nos separar um dia, por enquanto, são 259 anos-luz que nos distanciam. O sol tocando minha pele traz-me a mensagem de que estou viva e aquece meus sentimentos. Em dias como esse, olho com tanta angústia para o céu que posso sentir as nuvens encobrindo-me em sua imensidão. Toma formas que dissolvem-se no azul dos meus pensamentos. Quando choro, posso sentir: as nuvens navegam até mim, o azul dá lugar ao cinza. Tento voltar à superfície e respirar, mas elas passam por minhas entranhas e já não posso tocá-las. Nuvens passeando por cada pedaço de mim. Vão mudando-se em formas diversas que se chocam com as verdades que até então eu trazia. E é então que chove. A chuva é o sangue que percorre minhas veias em direção ao meu coração. Vai lavá-lo para que este não siga sendo tão seco e oco - por vezes, foi tão oco que eu podia ouvir suas falas a ecoarem pelas paredes do meu corpo, que são minha forma. Sinto que nesses dias em que as nuvens choram, transcendo as formas limitadas do meu corpo, como se permeáveis elas fossem e, assim como as nuvens, tomo outras formas - que se parecem muito com os desenhos, que cada um vê de um jeito a se formar nas nuvens. Em qual forma você vê minha alma? Entendo que ela é como os desenhos nas nuvens: onde eu enxergava animais estranhos, meu amor enxergava um sorvete-nuvem e, em alguns minutos, nenhum dos desenhos encontravam-se no céu. Dissipara-se para tomar outra forma, pois aquela não mais lhe cabia. Aquela forma quer ser livre. A forma é minha alma na forma de nuvens, formas mutáveis e insistentemente livres, que dão agora lugar ao sol.

sábado, 23 de novembro de 2013

Tu beijas minha boca, borra meu batom vermelho e morde meus lábios demoradamente, mas não vê a poesia que trago entre eles e que de noite me engole. Tu deixas seu cheiro no meu travesseiro e quando sais, deixa um pouco do seu perfume a embriagar o quarto. Na cama em que deitamos, você vem e volta. Meus pensamentos ficam, você não. Meu olho direito você beija três vezes seguidas, mas ignora minha visão poética das coisas. Você reclama do vento e eu o vejo a dançar com as folhas das árvores e, cabelo ao vento, danço junto: transo com o vento sempre. Minha tv é céu, sobre a minha cabeça as estrelas e a lua como única luz. A cidade nos atrapalha demais escondendo as estrelas e dando lugar apenas aos aviões. Você se incomoda por eu te olhar demoradamente. Fica sem jeito, pede pra eu desviar meu olhar. Suas pupilas: inquietas. Te explico que preciso dos teus olhos pra ter-te por inteira e peço-te para que não use óculos escuro, meu amor. Te imploro que não uses. Quero olhar para seus olhos e ver-te sendo, assim como me vejo ser. A maioria das pessoas são sem se dar conta disso. Você levemente existe, enquanto eu, vejo minha existência a pesar toneladas de angústia por sobre você. Ela me massacra, mas carrego-a com força para que não te doa como dói até então em mim. Você reclama do meu cigarro, mas não repara na marca de batom vermelho que deixo, distraidamente, na ponta de todos eles. Das minhas brisas entende apenas o riso, e o que mais importa? Rimos então. Liga para me dizer que está ouvindo nossa música, mas não a reconheces quando é da minha boca que a voz penetra o ar e enche o quarto e minha alma de bemóis e sustenidos. Mas você se arrepia. Eu sinto que sentes e isso me basta: que mesmo não entendendo, sinta. Afinal, talvez seja a sua leveza que vai me salvar dessa morte diária da existência, dessa forma líquida que tomo como minha tantas vezes. Vai me salvar das vezes em que escorrego inteira pelo ralo do banheiro. Me salva do entendimento das coisas! Quero apenas sentir! E que a loucura da falta de sentido, essa que move a humanidade, não nos abandone. Felizes os que sentem a loucura acima de qualquer coisa e eu, mesmo sendo repreendida por ti, continuo a te olhar nos olhos. Olhos de jabuticaba. Continuo a mergulhar no infinito do que tua boca cala. A nossa música continua, o inverno em mim não.