segunda-feira, 19 de março de 2012

não haverá ninguém para aplaudir

Vendo minha vida passar sob meus olhos espelhada no vidro molhado pela chuva, é inconstância que escorre, é liberdade, amor, pois o canário preso na gaiola do quintal não quer cantar mais. Cansou de assistir tudo pela grade. Pego na tua mão, te acaricio e te dou afeto, mas por céus, não insista para que eu te peça para ser apenas meu se te quero assim, livre, como o vento que me desata os cabelos. Voe por aí e distribua seus beijos entre elas e depois, saciado, deite-se com eles. Não posso e não quero te privar do desejo de outro corpo que não seja o meu e eu te peço, deseje, arda e não seque, por favor, não seque. Eu estarei lá, sentada em algum canto da cidade ou no alto da escadaria vendo a mata ser invadida pelas construções, estarei sedenta de fome e sede, procurando, como você bem sabe, uma vida simples e pés descalços. Não, eu não cogito a ideia de entender a cidade, mas preciso fazer parte dela, observá-la não é o bastante e eu me recuso a ser plateia quando simplesmente posso fazer parte do elenco e interagir com ele. Se você não repara nos grafites dos muros da cidade, na lua ou foge da chuva toda vez que ela insiste em cair, eu estarei chovendo sobre você, tendo em vista que faço isso todos os dias quando cansada, encosto o meu rosto na janela dos ônibus. Eu quero estar no meio do povo, conversar com o mendigo da praça, com a trans da esquina e com o bêbado largado no chão. Não penso em entender a cidade, como te disse, mas as misérias realmente não te gritam nada? Há tanta vida escorrendo lá fora, querido. Escorrendo sob meus olhos e eu me recuso a ser plateia, quando sei, que cedo ou tarde a cortina do teatro vai se fechar, as luzes vão se apagar e vão anunciar, sem piedade alguma, o final da peça.

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